quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Tradição nos Maracatus-Nação

          Ao longo de nossas idas a campo, seja para realizar as gravações dos CDs, ou mesmo para entrevistar as lideranças para o preenchimento do INRC, percebemos que a tradição é um dos valores mais importantes para os maracatus-nação.  A crescente valorização da cultura popular pernambucana e conseqüente conquista de novos espaços por parte desses grupos e até mesmo de outras agremiações são fatores que podem ter contribuído para tal perspectiva.
Maracatu Leão Coroado na época do Mestre Luis de França. Foto retirada do site:http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=987&date=currentDate

              Não há maracatu-nação que não deseje ser tradicional, todos de certa forma são, mas o que significa ser tradicional? Para alguns ser antigo é sinônimo de tradição, é sinal de que o grupo tem longa história, logo legitimidade para definir suas escolhas. Quem é antigo tem o domínio do saber, pode servir de modelo a outros grupos e dificilmente poderá ser contestado por um grupo mais recente. As nações Leão Coroado com fundação em 1863 e Estrela Brilhante de Igarassu fundado em 1824 são dois grupos que utilizam seu longo tempo de existência para afirmarem sua tradição.
Estandarte da Nação Estrela Brilhante de Igarassu. Foto reitirada do site:http://blocodepedra.maracatu.org.br/2008/03/06/toadas-da-nacao-estrela-brilhante-de-igarassu/
O Leão Coroado tem como exemplo uma loa famosa que expressa claramente seus valores:

“Esse maracatu foi fundado em 1863
Codinome Leão Coroado passado de glória nunca se desfez
É o maracatu mais antigo, pois nenhum museu nunca lhe acolheu
Nós somos de nação germana, semente africana Xangô pai nos deu “
         
          Os dois grupos também tem como característica marcante a postura avessa às inovações na manifestação tanto em seu batuque, como em personagens da corte e organização. Eles consideram as inovações como uma ameaça à tradição nos maracatus.
Mestre Luis de França. Foto retirada do site:http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj2/modules/busca/listar_projeto.php?cod=29&from=375
Maracatu estrela Brilhante de Igarassu. Foto retirada do site:http://www.igarassu.pe.gov.br/defesacivil/conteudo/143/Maracatu%20Estrela%20Brilhante

         
           No entanto, outros grupos como a nação Porto Rico (fundado em 1916) e Estrela Brilhante do Recife (fundado em 1910) são mais abertos a inovações em suas diversas esferas, porém também são considerados antigos e por isso acreditam que possuem conhecimento o suficiente e autoridade para definir o que é uma descaracterização da manifestação ou não. Por esta razão suas escolhas também se amparam na tradição.
Caravela santa Maria, símbolo da nação Porto Rico.

Alfaia da Nação Estrela Brilhante do Recife fazendo alusão a idade do grupo.
        

          A Nação Porto Rico por exemplo, é conhecida por ter inovado a parte estética dos desfiles dos maracatus-nação, com a introdução de vestidos mais luxuosos, com novos tipos de tecidos e bordados, além da introdução de novas personagens na corte na década de 1980. Já no início dos anos 2000 a referida nação introduziu os atabaques e novos tipos de viradas e convenções em seu baque. Essas “inovações” porém tem o amparo na tradição. De acordo com as lideranças do grupo a introdução do luxo nas personagens da corte era permitido porque corte real sempre foi sinal de brilho e riqueza. Já os atabaques e novas convenções, baseadas em alguns toques provenientes dos xangôs, são consideradas pelo grupo não como algo novo, mas como um resgate do modo como o baque dos maracatus se constituíam antigamente.
           Já a Nação Estrela Brilhante do Recife, que também é famosa pela quantidade de variações e convenções dentro de seu baque, afirma que acrescenta esses “novos temperos” ao baque do grupo em apresentações de rua, pertencentes à esfera profana do maracatu. Já na dimensão sagrada, ou seja, em situações como a Noite dos Tambores Silenciosos ou mesmo o desfile do Concurso das Agremiações Carnavalescas, o baque é mais contido, com menos variações, pois a situação pede assim. Deste modo as escolhas do Estrela Brilhante também se amparam na tradição.

Elda e Chacon Viana, rainha e mestre da Nação Porto Rico

           Outro caso muito interessante é o da Nação Encanto da Alegria. O grupo foi fundado recentemente, em 1998 numa articulação que juntou antigos batuqueiros das nações Elefante (de D.Madalena) e Leão Coroado (de Luís de França) mais D. Ivanize Tavares de Lima, Clóvis dos Santos e Antonio Pereira de Souza, o Mestre Toinho, antigo maracatuzeiro já tendo passado pelas nações Cambinda Estrela, Leão Coroado, Elefante e Indiano.  Devido ao histórico e intenções de seus líderes e demais maracatuzeiros, a Nação Encanto da Alegria preferiu adquirir uma postura mais conservadora em relação aos instrumentos utilizados no batuque e modos de tocar, possuindo assim uma “sonoridade antiga”, ou seja com menos variações e convenções no baque. Deste modo este maracatu muito novo adquiriu feições de grupo tradicional e antigo, se aproximando dos modos de fazer e se apresentar das nações Leão Coroado e Estrela Brilhante de Igarassu.

Sr. José João Otaviano de Lima, maracatuzeiro da Nação Encanto da Alegria

           Já grupos como as nações Porto Rico e Estrela Brilhante do Recife, apesar da idade, adquirem feições de grupo novo, com o baque repleto de convenções e diversos personagens e coreografias na corte, lembrando que, apesar dessas “feições de grupo novo”, os grupos também são considerados antigos e tradicionais. Os demais maracatus, principalmente os de fundação recente, afirmam sua tradição ora mantendo uma postura conservadora, ou seja, baseando-se nos modos de fazer dos maracatus de antigamente, ora se atendo a religiosidade, ora se legitimando através de relações pessoais com antigos maracatuzeiros ou autoridades religiosas. Existem grupos também que não dão tanto valor à questão da tradição, buscando afirmar sua identidade através de uma postura mais politizada e militante pelos direitos, educação e formação intelectual de seus maracatuzeiros, como é o caso da Nação Cambinda Estrela.

Muro em frente à sede da Nação Cambinda Estrela
Batuqueiros da Nação Cambinda Estrela

           A partir do que foi exposto, percebemos que os maracatus-nação têm visões díspares acerca do que significa ser tradicional. Ainda assim todos eles são considerados tradicionais. De fato a tradição é uma categoria muitas vezes compreendida como avessa ao novo, ao moderno que entende como coisas sem ancestrais, logo sem posteridade, sinal de desordem. A ordem e a verdade se encontram no antigo, no começo. No entanto a ordem e o imobilismo na tradição não conseguem se manter inalterados. Como afirma o antropólogo Georges Balandier:

“a tradição está dissociada da mera conformidade, da simples continuidade por invariância ou reprodução estrita das formas sociais e culturais; a tradição só age enquanto portadora de um dinamismo que lhe permite a adaptação, dando-lhe a capacidade de tratar o acontecimento e de explorar algumas potencialidades alternativas”. (BALANDIER, 1997, p.67)  

Atabaques na sede da Nação Porto Rico.


          A tradição joga com o movimento do modo como lhe convém, portanto ela lida com mudanças sem deixar de ser tradicional. Isso possibilita que os maracatus-nação pernambucanos articulem com a tradição de maneira tão diversa. O dinamismo da categoria é essencial para sua existência.


Ensaio na sede da Nação Estrela Brilhante do Recife

             Finalmente a tradição, por ser algo extremamente valorizado na atualidade, além de trazer legitimidade para os grupos traz também prestígio e logo mais visibilidade e importância no cenário cultural local e nacional. Isso possibilita que os maracatus-nação utilizem seu prestígio para reinvidicar seus direitos e espaço na sociedade mais ampla. Por esta razão a tradição é algo que traz muitos benefícios para os grupos de cultura popular de uma maneira geral, e acima de tudo a tradição tem contribuição fundamental para a construção de identidade dos indivíduos desses grupos, pois lhes fornecem um lugar na história e dão um sentido a sua existência.


Mestre Toinho da Nação Encanto da Alegria


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