quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Tradição nos Maracatus-Nação

          Ao longo de nossas idas a campo, seja para realizar as gravações dos CDs, ou mesmo para entrevistar as lideranças para o preenchimento do INRC, percebemos que a tradição é um dos valores mais importantes para os maracatus-nação.  A crescente valorização da cultura popular pernambucana e conseqüente conquista de novos espaços por parte desses grupos e até mesmo de outras agremiações são fatores que podem ter contribuído para tal perspectiva.
Maracatu Leão Coroado na época do Mestre Luis de França. Foto retirada do site:http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=987&date=currentDate

              Não há maracatu-nação que não deseje ser tradicional, todos de certa forma são, mas o que significa ser tradicional? Para alguns ser antigo é sinônimo de tradição, é sinal de que o grupo tem longa história, logo legitimidade para definir suas escolhas. Quem é antigo tem o domínio do saber, pode servir de modelo a outros grupos e dificilmente poderá ser contestado por um grupo mais recente. As nações Leão Coroado com fundação em 1863 e Estrela Brilhante de Igarassu fundado em 1824 são dois grupos que utilizam seu longo tempo de existência para afirmarem sua tradição.
Estandarte da Nação Estrela Brilhante de Igarassu. Foto reitirada do site:http://blocodepedra.maracatu.org.br/2008/03/06/toadas-da-nacao-estrela-brilhante-de-igarassu/
O Leão Coroado tem como exemplo uma loa famosa que expressa claramente seus valores:

“Esse maracatu foi fundado em 1863
Codinome Leão Coroado passado de glória nunca se desfez
É o maracatu mais antigo, pois nenhum museu nunca lhe acolheu
Nós somos de nação germana, semente africana Xangô pai nos deu “
         
          Os dois grupos também tem como característica marcante a postura avessa às inovações na manifestação tanto em seu batuque, como em personagens da corte e organização. Eles consideram as inovações como uma ameaça à tradição nos maracatus.
Mestre Luis de França. Foto retirada do site:http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj2/modules/busca/listar_projeto.php?cod=29&from=375
Maracatu estrela Brilhante de Igarassu. Foto retirada do site:http://www.igarassu.pe.gov.br/defesacivil/conteudo/143/Maracatu%20Estrela%20Brilhante

         
           No entanto, outros grupos como a nação Porto Rico (fundado em 1916) e Estrela Brilhante do Recife (fundado em 1910) são mais abertos a inovações em suas diversas esferas, porém também são considerados antigos e por isso acreditam que possuem conhecimento o suficiente e autoridade para definir o que é uma descaracterização da manifestação ou não. Por esta razão suas escolhas também se amparam na tradição.
Caravela santa Maria, símbolo da nação Porto Rico.

Alfaia da Nação Estrela Brilhante do Recife fazendo alusão a idade do grupo.
        

          A Nação Porto Rico por exemplo, é conhecida por ter inovado a parte estética dos desfiles dos maracatus-nação, com a introdução de vestidos mais luxuosos, com novos tipos de tecidos e bordados, além da introdução de novas personagens na corte na década de 1980. Já no início dos anos 2000 a referida nação introduziu os atabaques e novos tipos de viradas e convenções em seu baque. Essas “inovações” porém tem o amparo na tradição. De acordo com as lideranças do grupo a introdução do luxo nas personagens da corte era permitido porque corte real sempre foi sinal de brilho e riqueza. Já os atabaques e novas convenções, baseadas em alguns toques provenientes dos xangôs, são consideradas pelo grupo não como algo novo, mas como um resgate do modo como o baque dos maracatus se constituíam antigamente.
           Já a Nação Estrela Brilhante do Recife, que também é famosa pela quantidade de variações e convenções dentro de seu baque, afirma que acrescenta esses “novos temperos” ao baque do grupo em apresentações de rua, pertencentes à esfera profana do maracatu. Já na dimensão sagrada, ou seja, em situações como a Noite dos Tambores Silenciosos ou mesmo o desfile do Concurso das Agremiações Carnavalescas, o baque é mais contido, com menos variações, pois a situação pede assim. Deste modo as escolhas do Estrela Brilhante também se amparam na tradição.

Elda e Chacon Viana, rainha e mestre da Nação Porto Rico

           Outro caso muito interessante é o da Nação Encanto da Alegria. O grupo foi fundado recentemente, em 1998 numa articulação que juntou antigos batuqueiros das nações Elefante (de D.Madalena) e Leão Coroado (de Luís de França) mais D. Ivanize Tavares de Lima, Clóvis dos Santos e Antonio Pereira de Souza, o Mestre Toinho, antigo maracatuzeiro já tendo passado pelas nações Cambinda Estrela, Leão Coroado, Elefante e Indiano.  Devido ao histórico e intenções de seus líderes e demais maracatuzeiros, a Nação Encanto da Alegria preferiu adquirir uma postura mais conservadora em relação aos instrumentos utilizados no batuque e modos de tocar, possuindo assim uma “sonoridade antiga”, ou seja com menos variações e convenções no baque. Deste modo este maracatu muito novo adquiriu feições de grupo tradicional e antigo, se aproximando dos modos de fazer e se apresentar das nações Leão Coroado e Estrela Brilhante de Igarassu.

Sr. José João Otaviano de Lima, maracatuzeiro da Nação Encanto da Alegria

           Já grupos como as nações Porto Rico e Estrela Brilhante do Recife, apesar da idade, adquirem feições de grupo novo, com o baque repleto de convenções e diversos personagens e coreografias na corte, lembrando que, apesar dessas “feições de grupo novo”, os grupos também são considerados antigos e tradicionais. Os demais maracatus, principalmente os de fundação recente, afirmam sua tradição ora mantendo uma postura conservadora, ou seja, baseando-se nos modos de fazer dos maracatus de antigamente, ora se atendo a religiosidade, ora se legitimando através de relações pessoais com antigos maracatuzeiros ou autoridades religiosas. Existem grupos também que não dão tanto valor à questão da tradição, buscando afirmar sua identidade através de uma postura mais politizada e militante pelos direitos, educação e formação intelectual de seus maracatuzeiros, como é o caso da Nação Cambinda Estrela.

Muro em frente à sede da Nação Cambinda Estrela
Batuqueiros da Nação Cambinda Estrela

           A partir do que foi exposto, percebemos que os maracatus-nação têm visões díspares acerca do que significa ser tradicional. Ainda assim todos eles são considerados tradicionais. De fato a tradição é uma categoria muitas vezes compreendida como avessa ao novo, ao moderno que entende como coisas sem ancestrais, logo sem posteridade, sinal de desordem. A ordem e a verdade se encontram no antigo, no começo. No entanto a ordem e o imobilismo na tradição não conseguem se manter inalterados. Como afirma o antropólogo Georges Balandier:

“a tradição está dissociada da mera conformidade, da simples continuidade por invariância ou reprodução estrita das formas sociais e culturais; a tradição só age enquanto portadora de um dinamismo que lhe permite a adaptação, dando-lhe a capacidade de tratar o acontecimento e de explorar algumas potencialidades alternativas”. (BALANDIER, 1997, p.67)  

Atabaques na sede da Nação Porto Rico.


          A tradição joga com o movimento do modo como lhe convém, portanto ela lida com mudanças sem deixar de ser tradicional. Isso possibilita que os maracatus-nação pernambucanos articulem com a tradição de maneira tão diversa. O dinamismo da categoria é essencial para sua existência.


Ensaio na sede da Nação Estrela Brilhante do Recife

             Finalmente a tradição, por ser algo extremamente valorizado na atualidade, além de trazer legitimidade para os grupos traz também prestígio e logo mais visibilidade e importância no cenário cultural local e nacional. Isso possibilita que os maracatus-nação utilizem seu prestígio para reinvidicar seus direitos e espaço na sociedade mais ampla. Por esta razão a tradição é algo que traz muitos benefícios para os grupos de cultura popular de uma maneira geral, e acima de tudo a tradição tem contribuição fundamental para a construção de identidade dos indivíduos desses grupos, pois lhes fornecem um lugar na história e dão um sentido a sua existência.


Mestre Toinho da Nação Encanto da Alegria


sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Homenagem a Ursulina, ou simplesmente Ina.‏

Bem, eu já fui pego várias vezes em situações desconfortáveis. A pressa do
quotidiano tem me feito muitas travessuras, bem como dado algumas lições a
respeito da vida e da importância dos momentos.

Eu conheci a Sra Ursulina, articuladora do Maracatu Linda Flor, há alguns anos.
Em 2001 eles quase desfilaram no Cambinda Estrela, no processo de construção das
federações de comunidades que já era ensaiado naquele ano. Por não ter esta
articulação dado certo, fui buscar apoios nesta comunidade, e esta é a história
da adesão de pessoas como Ademilson, Carlão (já falecido),  Pelé (já falecido) e
outros tantos. Era uma articulação de gays e se concentravam no Burity,
comunidade em que é localizado o Maracatu Linda Flor.

Nós não tinhamos disputas, e no ano de 2005, em um arrastão nessa comunidade,
fizemos uma pequena homenagem para este maracatu, em frente a residência da Sra.
Ursulina. Já se vão cinco anos...
Em 2009 os laços com Ursulina aumentaram sobremaneira. Ela passou a integrar um
pequeno grupo de apoio a formação de uma associação democrática de maracatus.

Ursulina não só apoiou a construção de uma associação verdadeira, democrática,
como também fez os seus partidários rirem muitas vezes. Eu simplesmente nunca
tinha visto uma pessoa tão de bem com a vida como ela. Sempre sorridente, sempre
alegre e feliz, com disposição para dizer o que viesse a tona.

Dona Ina na sede do Maracatu Nação Linda Flor. Foto: Isabel Guillen



Dona Ursulina nos deixou neste último dia 05 de dezembro, tendo sido sepultada
no dia 06 de dezembro, as 16 horas, no cemitério de Casa Amarela, mesmo local em
que estão os restos de Mário Miranda, outro grande carnavalesco e maracatuzeiro,
que integrou por muitos anos o Nação Cambinda Estrela, quando este era ainda
sediado no Alto Santa Isabel.

O que pude fazer diante de uma pessoa tão feliz em um momento tão difícil?
Simplesmente exigi que todos os dirigentes da AMANPE estivessem presentes em seu
féretro. E lá fui também, para prestar a última homenagem para a articuladora do
Linda Flor.

No momento de seu velório, compus a seguinte toada, para que marcasse bem meus
sentimentos em relação aquele momento:

Dona Ina, companheira,
Dê licença pra falar (Bis) (Chamada)

Linda Flor é sua história,
Ele vai continuar  (Bis) (Resposta)

Desde então, Dona Ina transformou-se em memória. E de minha parte em
ressentimentos, por não ter podido entrevistar esta tão fascinante mulher.

Aqui ficam minhas reverências para a vida, e para quem viveu de bem com ela.





Ivaldo Marciano.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Andamento da Pesquisa



          Após três semanas de trabalho muito intenso estamos chegando ao fim da aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) nas nações de maracatu. Foi um trabalho realizado com algumas dificuldades, mas, acima de tudo com muito aprendizado e crescimento para a equipe. Algumas atividades ainda precisam ser concluídas para o andamento da pesquisa. Em reunião realizada na segunda-feira, 22 de novembro decidimos que durante a semana iremos terminar a revisão das fichas técnicas das gravações dos CDs das nações inventariadas e concluir a aplicação do INRC nas duas nações que ainda faltam. Para a semana que vem iniciaremos o preenchimento do INRC de cada grupo baseados nas informações concedidas ao longo das entrevistas.

Dani e Jamesson na sede do Maracatu Leão de Judá


Jamila Walter e Dani na sede do Maracatu Leão de Judá


Roberta na sede do Maracatu Nação Oxum Mirim


Bia e Jamila na sede do Maracatu Leão da Campina

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Almirante do Forte


Menininha. Este é o nome da "boneca" ou calunga, do Almirante do Forte. Ontem, ao visitarmos a sede deste maracatu para conversarmos com o sr. Antônio, por todos conhecido como Teté, soubemos que Menininha é a entidade "dona" do maracatu. Ela comanda a nação, determina as obrigações, guia espiritual de muitos que fazem o maracatu nação Almirante do Forte um dos grupos mais sui generis de Recife.


Que baque é esse?
 Fundado em 07 de setembro de 1941, completando portanto 70 anos, este grupo surgiu como uma discidência do Cruzeiro do Forte, maracatu de baque solto. O sr. Teté nos disse que o Almirante foi também fundado como um maracatu de baque solto e até recentemente usava no seu batuque bombo, gonguê, mineiro, tarol, surdo e cuica, este últimos instrumentos usados nestes maracatus. Quando perguntamos as razões para que houvesse a mudança de baque, o sr. Teté apenas nos disse que tocavam naturalmente pontos baseados na macumba, e que ficavam melhor no baque virado. Mas, por outro lado, não deixou de reconhecer que o baque virado, na época em que o sr Teté decidiu virar o baque, tinha"mais poder".
O Almirante do Forte faz parte de um grupo de maracatus que, a partir dos anos de 1960 , mudou seu baque, a exemplo do Cambinda Estrela e o Indiano (este último um grande maracatu do passado e que atualmente não desfila mais). Talvez essa frase do Sr. Teté explique este fenômeno da mudança de baque, mas não se pode esquecer que houve uma pressão para que os maracatus de baque solto não desfilassem pelo Recife, pois eram considerados "descaracterizados". Isto sem falar no medo que os caboclos de lança despertavam.

Comunidade e participação de jovens.
O Almirante do Forte está localizado no Bongi, e o Sr. Teté disse que sempre foi desse lugar. Ele mesmo nasceu naquela casa, e sempre viveu ali. O maracatu conta com alguns membros da comunidade em sua corte e seu batuque, e alguns membros da família também vivem intensamente o maracatu, a exemplo de alguns netos de Teté, responsáveis pela confecção de instrumentos. Mas o sr. Teté lembra de tempos atrás, em que saia no carnaval "com bem pouquinha gente e com três bombos". Hoje seu maracatu desfila com setenta afayas, que é como Teté faz questão de dizer "que é como chamam os bombos hoje". Alguns desses desfilantes vem de fora da comunidade, e o Almirante do Forte tem chamado bastante a atenção de  estrangeiros interessados pelos maracatus, e que vêem ao  Recife desfilar no carnaval. Neste último carnaval Teté nos informou que o Almirante recebeu doze franceses.
A mim, chamou muito a atenção, no dia da gravação, uma loa cantada por ele, em que afirma que é preciso deixar espaço para os moços chegarem. Fiquei pensando, naquele dia, nos profundos significados simbólicos que a loa repertoria, desde a necessidade de deixar "herdeiros" e de que o maracatu tenha prosseguimento depois que se vá, como o Sr Teté mesmo afirma, até as transformações rápidas e significativas em seus significados e modos de fazer pelos quais os maracatus nação estão passando na contemporaneidade. O Almirante do Forte tem recebido muitos jovens interessados nos maracatus, não apenas para tocarem um bombinho, mas para atuarem socialmente de outros modos. Afinal, o Almirante do Forte hoje é ponto de cultura, e há um grupo que ajuda o Sr. Teté na administração do mesmo.  Mas este é assunto para outra conversa!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) nos Maracatus-Nação

Na quarta-feira, dia 06 de outubro a equipe de pesquisa se reuniu para decidir como seria utilizado o modelo de Inventário Nacional de Referências Culturais fornecido pelo IPHAN no nosso objeto de pesquisa, ou seja, os maracatus-nação. O modelo de INRC do IPHAN apresenta uma enorme variedade de formulários e questões a serem aplicadas nos grupos estudados, no etanto, alguns desses formulários não são covenientes ao nosso objeto de pesquisa. O IPHA sugere e dá a liberdade para que cada equipe adeque o INRC da maneira que lhe for mais pertinente e foi exatamente isso que fizemos: retiramos as questões que não pareceram iteressates para nosso objeto e acrescentamos novas questões para enriquecer a pesquisa.

No sábado, dia 09 de outubro realizamos a primeira aplicação do nosso modelo de INRC. O entrevistado foi Ivaldo Marciano de Fraça Lima, atual mestre do Maracatu-Nação Cambinda Estrela, doutor em História pela UFF sendo também um dos coordenadores da pesuisa. Junto da aplicação realizamos uma entrevista com a metodologia de história oral, o que foi muito produtivo. A conversa teve mais de duas horas de duração, dando conta de abordar as questões a serem preenchidas no INRC e também aspectos da história de vida e memórias do entrevistado.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O que faz de um maracatu um maracatu-nação?

  Dentro desse extenso trabalho de gravações nas nações de maracatu tivemos a oportunidade de conhecer as comunidades onde esses grupos se situam, seus baques e loas, sua religiosidade, suas lideranças e as demais pessoas que fazem o maracatu acontecer. A partir disso observamos a enorme diversidade existente dentro desses grupos e percebemos que apesar dela todos esses grupos são considerados por todos como maracatus-nação. A pergunta que surge é: existe maracatu que não seja “nação”? Primeiramente precisamos diferenciar os maracatus-nação, que trabalham apenas com instrumentos de percussão e são comuns na cidade do Recife e arredores, dos maracatus-rurais ou de baque solto, que utilizam instrumentos de sopro e tem forte presença na zona da mata pernambucana. A partir disso poderíamos pensar que a utilização de instrumentos de percussão seria o ponto que diferenciaria os maracatus-nação dos outros tipos de maracatu mas a realidade é um pouco mais complexa.

Os grupos percussivos
          Existe não só na cidade do Recife e arredores mas também em diversas partes do Brasil e até do exterior grupos compostos por jovens de classe média que tocam a parte percussiva e executam a dança do maracatu. Alguns desses grupos utilizam a definição “maracatu” em seu nome apesar de muitas vezes não se considerarem como maracatus-nação mas sim como maracatus estilizados ou grupos percussivos. De fato muitas características diferenciam esses grupos percussivos dos maracatus-nação. Primeiramente observamos a forma com que esses grupos se apresentam, a maioria deles realiza apenas a parte percussiva da manifestação, ou seja, apresenta apenas o batuque sendo a minoria os grupos que apresentam um bloco de dança e mais raros ainda os que fazem algum tipo de encenação de corte real. Isso por si só já diferencia bastante os maracatus nação dos grupos percussivos.
Encontro de grupos percussivos em Curitiba/PR. Foto: Guilherme Handa

           É possível observar também que as nações geralmente se situam em comunidades afro-descendentes de baixa renda, sendo compostas por pessoas residentes nesses locais, ou seja, pessoas que possuem relações de vizinhança e que compartilham práticas, costumes e visão de mundo semelhantes enquanto que nos grupos percussivos os ensaios ocorrem em locais centrais das cidades sendo os seus componentes em sua maioria jovens brancos de classe média provenientes de diferentes bairros, não havendo assim um vínculo comunitário. O interesse desses jovens de classe média ao participar desses grupos “para-folclóricos” está sobretudo no entretenimento, na batucada, na dança no encontro com os amigos enquanto que nas nações os interesses extrapolam a dimensão do lazer atingindo outras como religiosidade, ancestralidade, tradição, disputa por reconhecimento e espaço na sociedade.

Grupo percussivo em Santos/SP. Foto: Giovana Spina



          A religiosidade talvez seja o traço que mais marca a diferença entre os dois tipos de grupo. Todas as nações de maracatu que visitamos possuía, em maior ou menor grau, algum tipo de laço com as religiões afro-indo-brasileiras, conhecidas em Pernambuco como xangô (culto aos orixás) e jurema (culto aos mestres, caboclos, pretos velhos, exus e pombas-gira). Nos grupos percussivos esse vínculo não existe pois nem os instrumentos nem as bonecas (quando elas existem) recebem qualquer tipo de obrigação religiosa para sair à rua.
          Percebemos então que as diferenças entre maracatus-nação e grupos percussivos são tão marcantes que é inviável considerar as duas manifestações como sendo a mesma coisa. Na visão dos mestres de maracatus-nação tradicionais esses grupos não podem ser definidos como maracatus. Muitos dos jovens que participam dos grupos percussivos reconhecem que o que fazem é apenas uma releitura dos elementos do maracatu-nação mas muitas pessoas que assistem às apresentações desses grupos acreditam que se trata de um maracatu-nação. A espetacularização da cultura popular e apropriação da mesma por outras classes contribui para que essa visão homogeneizante das manifestações populares ocorra por parte de turistas e demais interessados no assunto. Muitos mestres se preocupam com tal homogeneização pois muitas vezes por possuírem mais recursos e rede de contatos os grupos percussivos acabam disputando espaço no mercado cultural com os maracatus-nação. Alguns mestres também vêem os grupos percussivos como uma descaracterização do modelo autêntico de maracatu, sendo assim uma ameaça a tradição.
Maracatu Nação Encanto da Alegria em arrasto na comunidade da Mangabeira, Zona Norte do Recife.

A diversidade dos maracatus-nação
          Perceber as diferenças entre maracatus-nação, maracatus-rurais e grupos percussivos não esgota a questão sobre o que faz de um maracatu um maracatu-nação. Esse “modelo autêntico” de maracatu-nação dá margem para muita diversidade entre os grupos considerados como legítimas nações. Podemos tomar como ponto de partida a religiosidade nos grupos. Em alguns deles a rainha do maracatu é uma Ialorixá e a sede do grupo é também um terreiro sendo a maioria dos maracatuzeiros filhos da casa. Em outros casos a rainha é filha de santo de outro terreiro que faz as obrigações do maracatu, terreiro este que não sedia a nação sendo os maracatuzeiros filhos de terreiros diversos ou pertencentes a outras religiões. Existe o caso ainda onde a rainha sequer pertence às religiões afro-indo-brasileiras sendo que a ligação de sua nação com a religiosidade se dá apenas na obrigação oferecida às calungas. A vertente da religiosidade afro-indo-brasileira ao qual o maracatu se vincula também é variável; algumas nações tem ligação apenas com o xangô, outras com o xangô e a jurema (visto que tem como padrinhos e madrinhas mestres e mestras) e ainda as que tem vínculo somente com a jurema. A dimensão do sagrado e as interdições religiosas também diferenciam as nações. Algumas atribuem sacralidade aos tambores não permitindo certos comportamentos com relação a eles ou impedindo que mulheres participem do batuque, enquanto outras nações não vêem sacralidade alguma nos tambores compreendendo-os como pertencentes à esfera profana da manifestação e sendo livres de qualquer tipo de interdição religiosa.
Calungas do Maracatu Nação Porto Rico na obrigação realizada antes do Carnaval.


Símbolo do Maracatu Nação Gato Preto, o animal representa um Exu.


          A questão da tradição é mais um fator que diferencia os grupos. A maioria se diz defensor da tradição e avesso a certas inovações mas o modo como esses grupos entendem o que é ser tradicional varia. Ser antigo é um valor muito importante para alguns grupos mas existem grupos considerados recentes que adotam um modelo de maracatu por vezes considerado antigo e tradicional enquanto grupos mais velhos adotaram uma série de inovações. Essas inovações não se limitam a adoção de certos instrumentos considerados como exteriores a manifestação mas também na estrutura do baque que pode ser mais repetitiva ou repleta de variações e convenções. Ainda que adotem essas inovações, as nações não se consideram menos tradicionais, as justificativas de suas escolhas são sempre amparadas na tradição, o que pode ou não pode ser modificado na manifestação, o que caracteriza ou não uma deturpação do modelo autêntico de maracatu-nação varia de grupo para grupo.
Maracatu Nação Almirante do Forte, comunidade do Bongi, Recife.

          Se a religiosidade é operada de maneira distinta entre os grupos e a tradição também qual o limite para se definir o que é maracatu-nação? A resposta para tal questão é muito complexa, talvez o elo que una esses grupos numa mesma categoria seja a importância que a religiosidade ou tradição tenha dentro deles ou ainda a pertença a uma comunidade que possibilita uma série de relações que extrapolam a dimensão do batuque pelo simples entretenimento. Toda essa reflexão atiçou nossa curiosidade e vontade de aprofundamento no assunto, por isso a questão do que faz um maracatu ser maracatu-nação já está no roteiro de perguntas a serem feitas para nossos maracatuzeiros entrevistados!


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Trabalho de campo

Neste sábado, nos encontramos na FUNESO e  fizemos uma grande reunião para discutirmos a aplicação do INRC. A reunião teve como objetivo nos familiarizarmos com as fichas e escolhermo sas que iremos aplicar no trabalho de campo.

Como etapa preliminar desse trabalho fizemos uma  boa discussão sobre as categorias com as quais o INRC classifica os diversos bens culturais existentes nos maracatus-nação, assim como as formas como essas categorias se inter-relacionam.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Panorama das Gravações

O trabalho foi intenso mas a primeira parte das gravações foi encerrada. Do dia 28 de agosto até 14 de setembro a equipe de gravação teve uma rotina de muita correria para dar conta de registrar as loas e baques de 17 nações de maracatu. Agora resta gravar mais duas nações, Sol Nascente e Cambinda Estrela que estão previamente agendadas para dezembro. A equipe já está organizando a ficha técnica das nações gravadas com os nomes dos mestres, rainhas, presidentes e demais maracatuzeiros presentes nas gravações. O próximo passo será discutir o processo de levantamento documental dos jornais e uma discussão a respeito da metodologia e aplicação da História Oral onde iremos construir os roteiros das entrevistas, definir os entrevistados e entrevistadores. Fica neste post uma amostra do trabalho que realizamos nessas últimas semanas.

Nação Encanto da Alegria
28/08/10 15h-17h




Nação Estrela Brilhante
29/08/10 15h-18h




Nação Oxum Mirim
29/08/10 18h30-21h







Nação Linda Flor
10/09/10 15h-17h




Nação Tupinambá
10/09/10 17h30-19h30




Nação Encanto do Dendê
10/09/10 20h-22h




Nação Raízes de Pai Adão
11/09/10 19h-21h




Nação Almirante do Forte
12/09/10 15h-17h




Nação Aurora Africana
12/09/10 17h30-19h30




Nação Leão da Campina
12/09/10 20h-22h




Nação Gato Preto
13/09/10 18h-20h




Nação Axé da Lua
13/09/10 20h30-22h30




Nação Encanto do Pina
14/09/10 18h30-20h30




Nação Porto Rico
14/09/10 21h-23h