Apresentação


O projeto Inventário Sonoro dos Maracatus Nação de Pernambuco, foi financiado pelo FUNCULTURA, e executado pelo LAHOI (Laboratório de História Oral e da Imagem da UFPE), em parceria com a AMANPE (Associação dos Maracatus Nação de Pernambuco) e com a Coco Produções, e se coloca como uma ação de salvaguarda e preservação da diversidade musical existente entre os grupos de maracatus nação.

Objetivou gravar os diversos grupos de maracatus nação em atividade no estado de Pernambuco, em especial os associados da AMANPE. Em meio ao processo de gravação de cada um dos grupos em questão a equipe de pesquisa colheu dados para realizar um inventário sonoro dos maracatus propriamente dito, aplicando a metodologia desenvolvida pelo IPHAN, o INRC (Inventário Nacional de Referências Culturais).

Deste processo resultou um CD que é uma coletânea na qual estão presentes todos os grupos envolvidos no projeto.

Por que fazer uma coletânea contemplando dezenoves maracatus nação do estado de Pernambuco? Pode-se dizer que quem ouviu um batuque não precisa escutar os demais? O universo musical dos maracatus-nação pernambucanos está permeado por vários sotaques (ou estilos) que são o resultado da diversidade de instrumentos utilizados, modos de tocá-los e confeccioná-los. Diante de um mercado cultural que tende a homogeneizar as práticas, este CD objetiva registrar a riqueza e a pluralidade musical ainda existente entre os diversos grupos de maracatus nação.

O processo de gravação deste CD procurou respeitar ao máximo as condições em que os maracatus se encontram e “produzem” suas músicas. Nesse sentido as gravações foram feitas em suas sedes ou locais em que costumeiramente ensaiam, e refletem as dificuldades e problemas que os maracatus enfrentam em seu cotidiano. Evitou-se maquiar as toadas aqui registradas e optou-se por mostrá-las da forma mais próxima possível em que é feita no dia a dia. Este é, portanto, um retrato fiel das virtudes e vicissitudes que perpassa o ofício de mestres e batuqueiros.
Pode-se afirmar que cada um dos maracatus aqui registrados constitui uma nação. Alguns possuem seu modo próprio de confeccionar instrumentos, de afiná-los, e de tocá-los. Cada maracatu possui seu jeito de cantar as toadas, que se percebe no modo como o mestre, regente do batuque, imprime sua marca pessoal. Estes, na grande maioria dos casos, possuem a difícil tarefa de negociar seu estilo com as demandas, vontades, caprichos e estilos dos batuqueiros e demais integrantes do grupo. Negociação e conflito é palavra chave para entender este contexto. Também não se pode deixar de mencionar as constantes trocas e influências culturais entre os grupos.

Este inventário sonoro, desenvolvido entre os meses de agosto de 2010 a janeiro de 2011 desempenhou a difícil tarefa de ouvir os mestres, batuqueiros e dirigentes dos maracatus participantes. As dezenove nações foram visitadas em suas sedes e tiveram alguns de seus ensaios gravados. As toadas que integram este CD (ou loas, como denominam algumas nações) foram escolhidas pelos próprios integrantes. Alguns maracatus optaram por fazer o registro de toadas antigas, que são cantadas há muitos anos, outros optaram por divulgar suas composições mais recentes. Em alguns casos houve homenagens políticas, aludindo às escolhas cotidianas do grupo. E é essa diversidade que constitui a riqueza cultural das comunidades de maracatu aqui contempladas.

Os grupos estão concentrados na região metropolitana de Recife. Alguns reivindicam serem os continuadores de grupos homônimos, existentes ao longo do século XX (Cambinda Estrela, Estrela Brilhante do Recife, Porto Rico, Sol Nascente). Outros surgiram ao longo dos anos 1980 (Gato Preto, Linda Flor e Encanto do Pina) e 1990 (Estrela Dalva, Axé da Lua, Encanto do Dendê, Encanto da Alegria, Leão da Campina). Alguns deles foram criados na primeira década deste século (Aurora Africana, Oxum Mirim, Tupinambá, Nação de Luanda e Raízes de Pai Adão). O Almirante do Forte pode ser considerado como um dos poucos em que se observa uma maior continuidade do grupo, que se encontra sob a direção dos familiares de seus fundadores desde a década de 1920, assim como ainda se localiza na mesma comunidade em que foi formado. O Leão de Judá, por sua vez, é de 1976.

Mesmo que sejam grupos recém fundados em alguns casos, ou antigos, em outros, observa-se uma grande diversidade no que tange aos seus sotaques: os toques variam bastante de grupo a grupo, havendo, evidentemente, influências em alguns casos. Estas, entretanto, nem sempre são admitidas pelos mestres e batuqueiros de cada nação, o que pode se constituir em uma primeira questão a ser observada nas dezenove faixas existentes neste Cd: por mais que se pareçam, em alguns casos, as sutilezas em alguns detalhes promovem a diferença entre um e outro modo de tocar maracatu.